sábado, 11 de fevereiro de 2012

A "Mulher que nasceu a meio do caminho..."


Quem me conhece sabe que tenho uma ligação muito especial coma  Serra da Estrela. Ao longo dos anos  fui criando vínculos com as pessoas, com a paisagem, com os cheiros e sobretudo com as memórias. Arcozelo  viu o amor entre um homem e uma mulher nascer, viu um bebe vir ao mundo fruto desse Amor. Viu uma jovem transformar-se em mãe, de mãe em artesã, de artesã em  contadora de histórias. A minha história que tem vindo a ser escrita nos penedos da Serra. E hoje conto-vos a história da mulher de Arcozelo que  nasceu a meio do caminho.

A sua mãe estava nos campos a lavrar já no fim da gravidez quando sentiu que a hora estava a chegar. Tratou de deixar o trabalho e tomar o caminho para casa e foi a meio do caminho, por entre as ervas, no meio do "mato" que a Dona Quina veio ao mundo. Talvez por este nascimento singular ela própria se transformou numa mulher singular, as agruras da serra não lhe mitigaram o sorriso que era sempre luminoso e espontâneo. Ela foi a 1ª pessoa a dar-me as boas vindas. Foi ao pé da sua lareira que fui entendendo e percebendo a vida das mulheres do interior. Foi ela que me mostrou a força  do trabalho manual e como através de malha após malha nós mulheres criamos a nossa realidade. Mostrou-me que neste mundo de homens, a sabedoria e o poder são nossos e que somos nós que os oferecemos secretamente em forma de inspiração. Ensinou-me que ainda que muitas vezes nos tenhamos que sujeitar ao mundo "masculino" há uma arte que é a arte do tecer sentimentos, rezas, cantigas e camisolas, cumplicidades que se trocam entre mulheres e que são das mulheres. E que o nosso papel muitas vezes não é mudar o mundo, mas manter acesa a chama dessas cumplicidades e dessas artes, assim como ela mantinha o fogo crepitante da lareira. À Dona Quina ofereço a minha voz, afinal é para isso que conto histórias para que as pessoas não esqueçam o que foi, e para que se possam preparar para o que vêm.

Dona Quina obrigada por cada chispa do seu sorriso, pelo seus olhos rasgados cheios de amor, pela sua voz rouca, pela sua Fé, pela generosidade. Que a sua viagem a leve a bom porto a um amor ainda mais pleno e verdadeiro. Liberdade e luz é tudo o que lhe desejo.

Arcozelo não será o mesmo sem si... mas tratarei de fazer com que a sua história não seja esquecida
Com amor.
Ana

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