Credo do Contador de Histórias

CREDO DO CONTADOR DE HISTÓRIAS
Creio no contador, como memória viva do amor e creio em seu filho, e no
filho de seu filho, e no filho de seu filho, porque eles são a estirpe
da voz, os criadores da terra e do céu das vozes: voz das vozes.
...
Creio no contador, concebido nos espelhos da água, nascido humilde,
tantas vezes negado, tantas vezes crucificado, porém nunca morto, nunca
sepultado, porque sempre ressuscitou dos vivos congregando-os a ser: xamã, fabulista, contador de histórias...
Creio na magia que na entrada das cavernas acendeu o primeiro fogo que reuniu como estrelas: o assombro, o tremor, a fé.
Creio no contador, que desde os tempos tribais a todos antecedeu para alcançar-nos por que é.
Creio em suas mentiras fabulosas que escondem fabulosas certezas, no
prodígio de sua invenção que vaticina realidades insuspeitas, e também
creio na fantasia das verdades e nas verdades da fantasia, por isso
creio nas sete léguas das botas, na serpente que antes foi inofensiva
galinha, e no gato único no mundo, aquele gato que ao miar lançava
moedas de ouro pela boca.
Creio nos contos de minha mãe, como
minha mãe acreditou nos contos de minha avó, como minha avó acreditou
nos contos de minha bisavó e recordo a voz que me contava para afastar a
enfermidade e o medo, a voz que recordava os conselhos entesourados
pela mãe para passá-los ao filho;
— Não te desvies do teu caminho.
— Nunca faças de noite o que possas te envergonhar pela manhã.
Creio no direito da criança escutar contos; e mais, creio no direito
das crianças vivas dentro dos adultos de voltar a escutar os contos que
povoaram sua infância; e mais, creio nos direitos dos adultos desde
sempre e para sempre de escutar contos, outros novos contos.
Creio no gesto que conta, porque em sua mão desnuda, despojadamente desnuda, está o coelho.
Creio no tambor que redobra, porque o que haveria sido do mundo se não
tivesse sido inventado o tambor, se a poesia não reinventasse o mundo
dentro de nós, se o conto, ao improvisar o mundo, não o reordenasse, se o
teatro não desvelasse a cerimônia secreta das máscaras e por isso...
Por que creio, narro oralmente.
Creio que contar é defender a pureza, defender a sabedoria da ingenuidade, defender a força da indagação.
Creio que contar é compartilhar a confiança, compartilhar a
simplicidade como transparência da profundidade, compartilhar a
linguagem comum da beleza.
(retirado do Facebook - autor não identificado)
Sem comentários:
Enviar um comentário